Na Providência, fotógrafo mostra imagens de parentes de mortos
Um francês promete mudar ao menos por alguns dias a paisagem no Morro da Providência, no centro do Rio. O fotógrafo parisiense, que se identifica apenas como JR, trabalha há quase um mês na favela clicando moradoras e estampando o rosto delas em painéis gigantes nas fachadas das casas. O trabalho é parte do projeto Women, que já fotografou mulheres tanto das periferias das cidades européias como de aldeias africanas. No Brasil, as lentes de JR estão apontadas para as mulheres que perderam filhos e parentes por conta da violência de forças policiais.
Um dos ícones da instalação fotográfica na favela será a imagem de Benedita Florêncio Monteiro, de 68 anos, que será estampada nos próximos dias sobre a interminável escadaria que leva os moradores até a parte alta do morro, conhecida como Largo do Cruzeiro. Ela é avó de David da Silva, de 24 anos, um dos três jovens mortos após serem entregues por militares do Exército, que ocupavam a favela para um projeto social, a uma quadrilha rival, do Morro da Mineira, na zona norte do Rio, em junho.
"A imagem da avó do menino morto já estava na escadaria, mas a chuva estragou a colagem. Queríamos finalizar o trabalho na sexta-feira, mas não será possível", afirma um voluntário, que pede para não ser identificado. O francês exigiu total sigilo de sua equipe e dos voluntários do morro envolvidos no projeto. "A comunidade está gostando. A prova é que as pessoas estão cedendo as casas para a colagem. Agora, todo mundo aqui já sabe que é o gringo que está fazendo", afirmou Débora Gonzaga Costa, de 32 anos, prima de Wellington Gonzaga Costa, de 19, outra vítima da violência no Morro da Providência.
De acordo com a assessoria do artista, o francês só dará entrevistas a jornais brasileiros ao final do trabalho, previsto para segunda-feira.
ARTIVISTA
No entanto, o sigilo foi quebrado anteontem pelo próprio JR, em entrevista ao jornal espanhol El País, na qual ele conta que negociou com traficantes. "A regra é não fazer imagens deles ou dos pontos-de-venda de droga", disse JR. "Já ficamos no meio do tiroteio entre a polícia e eles", acrescentou o francês, que se auto-intitula "artivista", uma mistura de artista com ativista político.
JR traz no currículo o projeto Face to Face, do ano passado, em que estampava fotos de cidadãos palestinos e israelenses nos muros dos dois países envolvidos há décadas em conflitos. As imagens causaram polêmica. O francês contou ao El País que considera seu projeto "a maior exposição ilegal de fotografias da história". O trabalho lhe rendeu uma suposta tentativa de seqüestro pelo grupo terrorista palestino Hamas, além de "ameaças de expulsão por parte da polícia palestina e do Exército israelense".
Diante de tantas aventuras, o francês costuma minimizar os perigos das favelas cariocas e sempre agradece pela simpatia e ajuda dos moradores da Providência. "Na favela, todos se ajudam", costuma comemorar JR entre os voluntários. O expediente da trupe estrangeira na Providência começa às 7 da manhã e termina por volta das 21 horas. Entre os principais obstáculos, estão a caótica fiação elétrica dos barracos e a escassez de material. "Hoje o dia está difícil. Muitos cartazes foram danificados pela chuva e a cola acabou", comentou uma voluntária.
Na chegada aos acessos da Providência, a reportagem do Estado, guiada por um gari comunitário, foi abordada por um voluntário. Ele alegou que os painéis não poderiam ser fotografados, apesar de visíveis a distância. "O JR pede isso porque a luz certa para fotografar a exposição é no final da tarde, quando os painéis ficam mais visíveis."
JR adota a definição de "artista independente", mas não nega que aceita "trabalhos institucionais", como a exposição de cartazes gigantes em Paris patrocinada por uma multinacional de energéticos. O fotógrafo informa que a venda de suas fotos por até 25 mil patrocina suas empreitadas em nome de causas sociais ao redor do mundo. No site do artista, estão as próximas paradas: Índia, Vietnã e Marrocos.
Fonte: Estadao.com.br
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